Aos seus pensamentos
dedico...
Personagens:
1. Irmã Vénus - Ferreira.
23 anos.
2. Viviano - Polícia
P.S.P. 42 anos
3. Bahia - Trolha. 36
anos.
4. Agda - Estudante. 20
anos.
5. Adónis - Estudante. 17
anos.
6. Marta - Velhota. 65
anos.
7. Ágata - Criança. 12
anos.
8. Espírito Santo
9. Lúcifer
Este conto teve
lugar em Fátima nos finais de Agosto.
Poucas horas
restavam para acabar o dia, mas o sol ainda deslumbrava a brancura do
majestoso monumento de Fé humana. Não era um dia de grande agitação, apenas o
vento frio voava de um lado para outro embaraçando escassas pessoas que
circulavam pela praça. A noite já esperava, ansiosamente, atrás do horizonte
para tudo possuir com suas mãos.
Os sinos da
igreja bateram sete vezes. Acabara a missa espanhola na “capelinha”. As pessoas
saíam pouco a pouco, trazendo uma expressão humilde nos seus rostos. A irmã
Vénus, insatisfeita, pois apenas pôde assistir a metade da missa na sua língua
nativa, por causa da chegada tardia do seu autocarro, apressou-se a subir as
escadas da igreja de Fátima, onde ia começar outra missa em português.
Irmã Vénus era
uma mulher nova, de estatura alta e delicada. Uns cachos do seu cabelo loiro,
soltos pelo vento, descaíam pelo belo rosto dela, acariciando a sua pele
pálida. Os olhos verde-escuro paravam pensamentos de qualquer um que deparava
com o meigo olhar dela. As roupas brancas, que a cobriam da cabeça aos
pés, eram totalmente incapazes de esconder a perfeição do seu corpo. A pura
linha da beleza espanhola revelava-se em cada movimento dela.
Embora já
tivesse chegado muita gente à igreja, a missa ainda não tinha começado. O
Espírito Santo flutuava no ar, por baixo do teto, observando tudo o que se
passava.
Finalmente
chegaram três padres. Preguiçosamente, pousaram as suas cadeiras em frente ao
altar e começaram a preparar as suas coisas para seguir o devido... A
mulher do coro, que tinha chegado antes dos padres, esperava pacientemente para
poder começar a cantar.
Quando tudo estava preparado, um dos padres deu uma entrada
de palavras e definiu o tema da missa. Depois, todos se sentaram e a mulher
começou a cantar.
Um grandioso acapelo
de um soprano, estremeceu o imponente silêncio da igreja. Todos ouviam.
Entretanto na porta direita da igreja apareceu uma sombra estranha.
Entrou, e depressa gatinhou até ao outro lado da igreja. Encostou-se à pia com
a água benta usando a mesma como um suporte. Era o Lúcifer...
O Espírito Santo, surpreendido por tal audácia, desceu para a
beira dele.
Espírito
-
Tu
que raio fazes aqui? Seu sacana!
Lúcifer
-
Pois
já faz anos que não vou à missa, meu irmão...
Espírito
-
Não
sejas tão jocoso, diz lá para que é que chegaste!
Lúcifer
-
Tu
sabes bem para quê. Faz séculos que ando eu atrás do mesmo. Eu quero almas!
Espírito
-
Aqui
não há nenhuma para ti!
Lúcifer
-
Humm...
A mim cheirou-me outra coisa... Ficamos a ler, os dois, os pensamentos dos
humanos. Se me provares o contrário não levarei nenhuma...
Espírito
-
Está
bem, assim será. Também estou curioso, eu...
A mulher acabou
de cantar. Os padres levantaram-se, a seguir a eles levantou-se o público
também. Começaram a rezar o Pai Nosso. Um dos padres falava e as pessoas
repetiam atrás dele com obediência.
O Espírito e
Lúcifer aproximaram-se da Irmã Vénus. Ela estava ajoelhada no meio dos bancos
com as mãos juntas frente ao peito, fixando o seu olhar no crucifixo de Jesus
que se situava atrás do altar.
Irmã Vénus
pensando.
Este jovem ao meu lado tem um cheiro mesmo agradável e é tão
lindo.. Não aguento mais olhar para essa cruz!
Quero apreciar-te meu anjo. Era tão bom se não estivesse cá
ninguém, assim podias confessar-me...
Vou inclinar-me um pouco para traz para vê-lo de lado. Todos
pensam que estou a rezar, ninguém repara em nada...
Vénus
inclina-se para traz e põe os olhos o mais de lado possível para observar a
figura de Adónis.
Adónis, apesar
do seu metro e oitenta e sete de altura, tinha um corpo muito bem composto. Os
seus ombros largos diziam que praticava algum desporto... Levava umas calças
justas de cor cinzenta, as quais sublinhavam com alta delicadeza cada pormenor
onde estivesse o tecido a tocar no seu corpo. Os chinelos nos seus pés também
descreviam um certo estilo de espírito leve desse jovem. Por cima levava uma
camisola branca, caprichosamente desenhada de várias linhas e figuras abstratas
e com um decote largo mostrava o relevo do musculoso peito de Adónis, o que
perturbava imenso a mente da Irmã Vénus.
Irmã Vénus
pensando.
Meu Deus que lindo homem, não aguento mais!...
Que raiva! Não percebo a mim própria! Que diabo me puxou para
ser a serva de Deus? Podia estar na praia com esse espécie de macho. Chega,
para mim acabou! Esta será a minha última
missa!
O Lúcifer e o
Espírito trocam os olhares um com outro.
Lúcifer
-
E
então, amigo?
Espírito
-
O
que é que tu queres, pá? Já imaginaste, a ti próprio com este castigo?
Após outra
troca de olhares riram-se os dois às gargalhadas.
Adónis
pensando.
Que raios!
Nunca mais acaba essa missa, faltam quarenta e cinco minutos até ao jantar, parece
uma eternidade. Ainda bem que lanchamos às seis horas, senão acho que não
aguentava até ao jantar. Por acaso aquelas moelinhas com picante e pão de trigo
foram bem aceites pela minha barriga. Para além dos três pratos que comi, bem
comia outros três, era mesmo saboroso!
Mas não faz mal. Deus queira aguento até ao jantar. Aí é que
vou gozar a vida ao máximo. O pai paga, que se lixe. Vou pedir um bife com
cogumelos e muita batata frita. E se calhar uma garrafa de vinho maduro para
nós dois não fará mal nenhum. Depois vai ser uma sopinha cheia, acompanhada por
bastante pão de milho. Para encher o papo, uma salada de fruta e um café no
fim. Espera, lá em casa ficou um gelado na arca. Quando chegar terei de o
condenar à morte também.
Fogo! Essa vontade de comer está mesmo a apertar! Uma
coca-cola saberia mesmo bem agora... Para refrescar pelo menos. Que missa tão
longa e triste...
Mas uma coisa agrada-me: no fim da missa vou receber a hóstia
… não é muito, mas é sempre um aperitivo antes de jantar.
O Lúcifer manda
um risinho para o Espírito, franzindo os seus olhos vermelhos.
Espírito
-
Infelizmente
isso existe...
Lúcifer
-
Esse
não levo! Fica tu com ele. Que rapaz nojento. Ainda come o inferno...
Os padres
acabaram de rezar o Pai Nosso e a mulher corista tornou a cantar. Todos
se sentaram.
Lúcifer
-
Olha,
vamos ver aquele bigode. Está com uma cara que até a mim mete impressão.
Espírito
-
A
cara pode não ser o critério determinante, colega, mas se tu insistes...
O Viviano era
um polícia de trânsito. Nem alto nem baixo, nem magro nem gordo, nada atraía a
atenção no visual dele. O único pormenor mais notável era o seu bigode e os
seus olhos pretos que brilhavam com a ira debaixo das suas sobrancelhas,
demonstrando o seu interior corrompido.
Viviano pensando.
O cabrão desse padre manda sentar, manda levantar! A ver se
tu escorregas e partes uma perna, seu porco! Assim ficávamos todos sentados...
Uma velhota que
estava sentada ao lado de Viviano, sem querer, atingiu-o com seu cotovelo.
Velhota
-
Peço
desculpa, meu filho, foi mesmo sem querer.
Viviano
-
Não
tem mal, minha senhora, esteja tranquila.
Viviano
pensando.
Nem sabe estar quieta no sítio, sua vaca fedorenta. Nunca
mais te chega o enfarte cardíaco!
Ora bem, vamos ver quem é que chegou cá hoje...
Olha ali aquele herói, que tanto apreciava com os seus
desenvergonhados olhos a minha mulher, quando estávamos na fila do supermercado.
Espera aí otário, quando acabar a missa, vou atrás de ti para saber já a matrícula
do teu carro. Vais pagar multas todos os dias. Isso arranjo-te com facilidade,
vais ver, seu animal! A minha posição oficial permite tanta coisa... Essa
gentinha mal corajosa quando vê um homem fardado, até treme. Amanhã vou para a estrada
e vou lixar a vida para mais uns quantos, hehehe.... Gostar do trabalho que
fazes, o que pode ser melhor? hehehe
Espírito
-
Esse
parece-se muito contigo, colega...
Lúcifer
-
Não
digas isso, eu não sou assim!
A velhota que
estava sentada ao lado de Viviano chamava-se Marta. Era baixinha e gorducha.
Tinha a cara redonda e vermelha, fazia lembrar um tomate. Entre os olhos
grandes, que pareciam cerejas pretas, situava-se uma batata grande, que, se
calhar, deveria representar o nariz. Mas não prestando atenção a alguns
pormenores - desse jardim ambulante até estava bem arranjadinha. A sua cabeça
cobria-se com um lenço de seda verde, desenhado com flores de girassol. Suas
unhas ainda cheiravam a laca, a qual foi posta num dos mais caros salões de
beleza de Fátima. O seu corpo, que parecia uma carcaça de frango, era agraciado
com um vestido de verão de cor verde. No peito levava um pesado broche de
prata, decorado com diversas pedras preciosas. No pescoço trazia uma grossa
cadeia de ouro com um cólon que levara a fotografia do seu marido, que tinha
falecido sobre circunstâncias desconhecidas. A quantidade dos anéis de ouro, se
não levasse vários num dedo, era suficiente para ter um em cada dedo nas duas
mãos. O fim dessa exposição toda eram as sapatilhas de tacão alto.
Marta pensando
Oh Santíssima Virgem Maria! A doença da minha irmã mais velha
está a progredir muito depressa e assim nesse estado, duvido que lhe restem
muitos dias nesta terra. Ajuda-a, por favor, ajuda a que ela escolha dar de
herança a sua quinta para mim e não para esses dois gastadores, seus filhos.
Não sabem gerir nada. Eu, como já tenho boa experiência da vida, noto logo essa
falha. Comigo fica bem guardado e, quem sabe, se um dia o meu filho merecer,
farei dele meu herdeiro.
Ainda bem que consegui sentar-me longe da passagem. O chato
do padre vai andar a pedir esmolas, como sempre. E eu de moedas só tenho um
euro... Nem sonhes que mo vais levar, vou aproveitar para o café, e assim poupo
a notinha.
Eh pá... quase me esqueço que estamos chegando ao fim do mês.
A estúpida da empregada da casa vai querer cobrar. Tenho urgentemente que
inventar algo para lhe cortar no ordenado, é que essa ingénua, ultimamente, não
fez asneiras. Não sei o que vou fazer... Pagar o ordenado inteiro esse mês
seria demais, ao menos cortava vinte euros para os cafés com as amigas. Já sei!
Ao tempo que está um vaso partido no quintal. Vou dizer que foi ela. Genial!
Lúcifer
-
Eu
admiro a paciência da Santa Maria...
Espírito
-
Pois,
eu também...
Riram-se os
dois durante muito tempo.
Quando a mulher
acabou de cantar, os padres levantaram-se mais uma vez para dar às pessoas uma
oração. Por mais que não apetecesse, o público levantou-se também.
Quando acabou a oração os bancos rangeram do peso que foi
carregado em cima deles de uma vez só... Um dos padres, começou, monotonamente,
a explicar para que servem os capítulos da
Bíblia.
O Espírito e
Lúcifer passeavam a passo lento pela sala, envolvidos numa conversa qualquer
que lhes dava imenso gosto, gesticulavam com as mãos, riam-se e falavam alto...
Lúcifer
-
Espera
aí, pá! Olha-me esse anjinho. Vamos prestar um tempinho a essa bela flor.
Espírito
-
Chama-se
Ágata, não achas um lindo nome? Vai à missa com os seus avós todos os fins de
semana...
Ágata era uma
miúda muito mexida, cheia de ideais próprias. O seu cabelo loiro chegava-lhe à
cintura. As bochechas estavam sempre coradas. Grandes olhos azuis, que
pestanejavam casualmente, formavam um olhar humilde, o que dificultava imenso
recusar qualquer desejo dela. Isso notava-se muito nas roupas da Ágata.
Os pais tiravam o último da carteira para favorecer a sua joia. Desde as
sandálias até à mochilinha, tudo correspondia ao último grito da moda
infantil.
Avó da Ágata
-
Olha
minha fada, a vovó hoje está muito cansada, deve ser por causa da sua tensão
alta. Mas amanhã temos gente em casa e preciso muito da tua ajuda para arrumar
a sala.
Ágata
-
Não,
avô, hoje não! Eu também estou cansadíssima, quero ir para casa. Já passei
muito contigo hoje.
Avô
-
Va
lá, minha fada, ajuda a vovó está doentinha...
Ágata
-
Não!
Nem insistas porque não vou! Pede antes ao avô que te ajude. Ele não tem nada
para fazer.
Avô
-
Tu
sabes bem que o avô tem dores nas pernas e não pode ajudar.
Ágata
-
Eu
quero lá saber das dores dele, eu também tenho as minhas!
-
Está
bem, disse a avó pacientemente e suspirou.
Ágata pensando.
Fogo, esses velhos estão sempre a queixar-se de algo! A avó
está maluca. Arrumar a casa num Domingo, fogo! Tem três vezes o meu tamanho e
quer que eu faça tudo por ela. E o velho sempre a fugir por causa da dor das
suas pernas. “Traz-me isso, traz aquilo, eu não aguento”. Quando quer ir à
pesca não se queixa das dores.
Tenho tanto para fazer hoje, e devo aturar esses utentes. Às
nove tenho de estar na casa da minha amiga Sara para decidirmos o
que vamos vestir para a festa de.....
Lúcifer
-
Olha
sabes o que eu vou fazer agora?
Espírito
-
O
quê?
Lúcifer
-
Vou
aparecer na frente dela com toda a minha personalidade! E vou-lhe dizer alguma
coisa!
Espírito
-
Calma,
calma pá, não sabes as regras? E não te esqueças que ela ainda é uma criança, a
cabeça dela tem pouco raciocínio.
Lúcifer
-
Pois...
Desculpa, a razão é tua... É que eu a partir de um momento fiquei assim tão...
Espírito
-
Eu
compreendo-te... Anda, deixa-a estar, vamos andando.
Três bancos à
frente estava sentado o Bahia. Era barrigudo e baixinho. O cabelo arrumado para
tràs com gel, barba bem barbeada, camisola branca metida dentro das calças de
ganga pretas, sapatos pretos laqueados e um boné de jeans na mão. Qual era a
razão de trazer um boné, se já tinha arrumado a cabeleira com gel, apenas Deus
sabia...
Bahia pensando.
Porra, o dia está a acabar, amanhã tenho de trabalhar outra
vez. Dois dias de fim de semana não chegam para nada. Vou inventar que me dói
um dente. Vou à urgência, tiro o recibo, como costume, e o patrão terá de pagar
o dia... Já que estou efetivo na firma não posso trabalhar muito, que
trabalhem os outros burrinhos por mim. Amanhã vou dormir bem mais uma vez e
depois vou passar o tempo a tomar umas cervejolas no café do Lemos. Por acaso já
ao tempo que preciso de tirar uma baixa médica para descansar em condições. Em
Setembro tenho quinze dias para gozar as minhas férias. Aproveitarei para tirar
a baixa no fim das férias, assim descanso como deve ser. A minha irmã,
que é médica, não me vai recusar esse favor...
Lúcifer
-
Parar
muito tempo perto desse é perder tempo. Como me parece ele já fez planos a sua
vida...
Espírito
-
Faz
favor de passar para a frente colega. O que lhe parece analisarmos essa jovem
universitária, o futuro do seu país. Estuda politica.
Lúcifer
-
Estou
a ficar intrigado. Com todo o gosto prestarei um bocado do meu tempo a ela.
Ágda possuía uma estatura média, tanto como um metro e
sessenta e cinco, não mais. As formas do seu corpo, apesar de serem cheinhas,
atraíam o olho. A cintura larga suavemente trespassava para suas costas retas e
finas que desabrochavam com os ombros ternos. Lembrava uma flor prestes a
florescer. O seu cabelo longo estava arrumado num feixe o qual levava por cima
uma rosa vermelha para decorar. A cor da rosa combinava imenso com as roupas
claras que vestia, trazendo vida ao seu visual.
Ágda pensando
Olha, aquela da minha turma também vem à missa essa
desgraçada. Mas não te faz falta nenhuma vir. Sempre tens tudo o que tu queres
na tua vida. Tem o namorado cheio de dinheiro e bonitão. O papá já lhe comprou
um bom carro. Nos estudos tem a sorte de obter boas notas com facilidade.
Não presta para nada mas tem sucesso em tudo! As pessoas como eu, que realmente
merecem, são obrigadas a comer as migalhas, enquanto ela come o bolo todo! Não
percebo o que o teu namorado encontrou em ti, és feia como uma burra. Ele há de
ser meu. Eu já tenho um plano astuto de como obter a predisposição dele. Não
pode ser tudo teu amiga, os outros também querem.
Lúcifer
-
Humm...
Espírito
-
Pois...
Já não digo nada...
Os padres já
estavam prestes a acabar. Um deles desceu do altar e tomou a posição entre as
fileiras dos bancos para dar o Corpo de Deus. As pessoas, pouco a pouco,
formaram uma fila para receber a bendita refeição. No ar reinava o estado de
paz e sossego.
Lúcifer
-
Bom,
eu acho que já vi até dizer chega... Vamos sair daqui, sinto-me sufocado no
meio dessa gente toda. Vamos apreciar um bocado o pôr do sol.
Espírito
-
Não
queres receber uma hóstia antes de sair?
Lúcifer
-
Poupa-me,
brincalhão!
Saem os dois da
igreja e sentam-se no alto das escadas frente à mesma. O Lúcifer fixa o seu
olhar nas vermelhas chamas do sol a morrer no crepúsculo.
Lúcifer
-
Há
milhares de anos que aprecio o mesmo e não consigo fartar-me. É tão mágico, não
achas?
Espírito
-
É,
é lindo, sem dúvida... Mas olha, tu hoje não vieste cá para apreciar as
belezas. E sei bem que a razão agora é tua. Eu cumpro o que prometi, leva quem
tu quiseres.
Lúcifer
-
Não
meu irmão, tu preocupas-te em vão, não vou levar ninguém. Estou farto disto
tudo. Sabes quantos assim eu tenho lá em baixo? Não dás conta! Porque as
pessoas deitam as suas culpas a mim? Roubou? É o Diabo! Matou? É o Diabo!
Que culpa eu tenho de eles terem a sua alma suja?! Que tenho eu a ver com
isso? O Todo Poderoso deu-lhes a mente suficiente para alcançar o que é bom e
mal. São eles próprios a escolher o seu caminho.
Espírito
-
Eu
também sinto nojo... E tenho uma pena grande de que a vida humana seja tão
curta. Muitos morrem sem chegar a perceber os erros que fizeram, morrem a
pensar que a razão é deles. E aqueles que encontraram o caminho da verdade,
morrem, sem chegar à perfeição. É que depois não há caminhos para trás. Isso é
muito triste.
Lúcifer
-
Nunca
pensei assim como tu pensas. Mas terei em conta, porquê a razão é tua! Agora
tenho de ir. De qualquer forma foi um prazer. Até um dia.
Espírito
-
Fica
bem! Até um dia.
O Lúcifer
transformou-se numa nuvem preta como o carvão e infiltrou-se numa lacuna no
meio das escadas. O Espírito olhou mais uma vez para o sol que se afundava no
horizonte, quem sabe em que estava a pensar ele naquele momento? Desapareceu no
ar, e com uma rajada de vento quente tocou a praça, depois subiu ate às nuvens
e dissipou-se em todas as direções.
De repente tudo ficou quieto, parecia que o tempo parou. O
sol desistiu da sua luta e a praça mergulhou na escuridão. Apenas as velas à
beira da “capelinha” choravam com a cera, afastando as sombras que as rodeavam
de todos os lados... A noite exultava sobre a sua grandeza...
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