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sábado, 28 de maio de 2011


Eu sou uma praça onde o tempo passa,
Uma praça que suporta e vê cada imagem e sombra
Do ser humano que me trespassa,
Há quem me passa descalço e há quem sapateando me desfaça...

Quero ser uma praça cega, muda e surda que não sente nada e não disfarça...
 

terça-feira, 24 de maio de 2011

O Sono de um Poeta



O amarelo do frio luar descai pela janela para cima da mesa. As lágrimas da vela secaram...  Penas gastas dentro dum tinteiro. Quadros na angústia do crepúsculo. Letras e palavras soltas. Livros em pó. Poemas sem fim abandonados. Folhas de papel vazias... Sonhos loucos e delirantes. Tudo disperso ao redor de um quarto...

O poeta está cansado... O poeta dorme...

domingo, 22 de maio de 2011

Molestia


Tudo me estorva neste mundo inquietante... Estou olhando ao meu redor e simplesmente não percebo como vim parar aqui, e o mais perturbante - para quê? O corpo está sempre pedindo algo: comida, prazer, descanso. Estou farto de o suportar... A alma não para com as tempestades e trovões, sendo uma fúria louca. As pessoas com quem valia a pena abrir um diálogo já partiram há séculos... O meu espírito anda à procura do destino, perscrutando para dentro do peito dos outros, na esperança de encontrar um assim, distinto...

O meu olhar penetrante lança-se com velocidade para o fundo de um abismo. Um passo para a frente e já está... É tão simples e fácil - o corpo morre... Passado um tempo apenas a terra se lembra de ti...

Mas o que é que adianta? Se entre os anjos não poderei estar e os demónios me fogem ...

sábado, 14 de maio de 2011

O Menino e o Céu



Ainda era inocente, um pequeno menino,
Já admirava a grandeza no tolde celestino,
As estrelas e lua eram tão grandes, parecia algo divino,
O menino observava o céu e o céu observava o menino.

Já tanto ano passou desde quando era menino,
Mas nada mudou debaixo do sol perante o celestino,
De tanto querer lograr o saber, exausto de procurar o destino,
O homem parou a olhar para o céu mas o céu observava o menino.

Uma coisa eu sei, e sempre assim será no azul celestino,
Nem que passem três séculos ou cem, ninguém saberá o destino!
E naquele lugar, onde o vento levanta o pó dos meus ossos no ar,
Estará um outro menino, à procura de algo...

Para o céu vai seu olhar levantar e o céu vai observar o menino...

terça-feira, 10 de maio de 2011

Dedicado a Omar Khayyãm

 

Omar Khayyãm, Oh venerável!
Eu oiço teu eco dos passados,
Trás séculos, os teus pensamentos, estão a nós cercados.
Em pó caíram os impérios e nunca foram levantados,
        O grande pensador morreu, mas seus pensamentos estão herdados!

(Inspirado pela Maria Clara Maia, escritora e ilustradora) 

 


segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Terra Respirava




..... Já estávamos a ver uma espessa escuridão à nossa frente, quando subimos uma rua estreita, em paralelo, deixando para trás os pequenos hotéis rurais e tasquinhas. Aproveitando o último lampião da rua, um velho e formidável bosque, observava a nossa presença com quietude, envolvido na escuridão nocturna.

            Um morcego grande lustrou no ar, atingido pela luz do lampião e rapidamente mergulhou na escuridão do bosque. A fronteira da luz e da escuridão era tão drástica, que quando demos os primeiros passos no escuro, passamos a ter a sensação que estávamos numa outra dimensão, num outro tempo, num outro mundo... Os nossos pés já não sentiam o paralelo duro a gastar as botas, caminhávamos silenciosamente sobre a terra macia. Dava gosto! ... O meu amigo ligou a lanterna. Um raio de luz forte destinou-se pelo caminho à nossa frente, afastando as horrorizadas sombras que fugiam dele, por todo lado. Uma rajada de vento frio passou por mim e infiltrou-se no meio da floresta densa, fazendo as folhas das árvores efervescer ameaçadamente.

- Desliga a luz - disse-lhe eu - estás a perturbar a natureza que está a dormir. Tu tens de te adaptar a ela e não a ela adaptar-se a ti.

            Tivemos de reduzir os nossos passos, enquanto os olhos se habituavam ao escuro, até que por fim deu para perceber que na verdade podíamos ver muita coisa, embora na escuridão as coisas parecessem, totalmente diferentes da realidade. O ar estava muito puro e fresco. A floresta exalava ligeiramente a folha caída e a humidade. Um silêncio mortal estava omnipresente. Parecia que o bosque estava a examinar os seus visitantes. Gigantescos monstros inclinavam-se na nossa direcção tentando-nos agarrar, mas à medida que nos aproximávamos, eles transformavam-se em poderosas árvores. Outros arbustos, mais pequenos, eram os fantasmas que de repente vinham do nada e desapareciam da mesma forma. A inclinação da subida que parecia não ter fim, tornava-se cada vez mais forte, travando o nosso passo, como se houvesse alguém que quisesse que ficássemos nesse reino das sombras para sempre... O meu amigo, abafado e já farto de sentir as emoções, perguntou-me se faltava muito para chegarmos ao nosso destino. Pois quanto, ao destino – nem tínhamos passado a metade do percurso planeado, mas eu acalmei-o, dizendo-lhe que em breve teria um descanso e uma surpresa muito agradável. Ele como a maioria dos humanos não tinha a experiência de caminhar nos bosques, pois sentia-se bastante desorientado e sem saber onde ir, o que era normal e bastante evidente.  

            Finalmente os nossos olhares ficaram espantados pelo luar, que provinha do fundo do nosso estreito caminho, seria fácil imaginar um comboio prestes a sair do túnel. A sacrificial subida ficou para trás, chegamos a uma enorme clareira, toda rodeada de bosque denso, feita uma fortaleza. Eu mandei desviar-se do caminho habitual e caminhar um bocado entre as altas ervas bravas em direcção ao centro da clareira onde dormia um velho e alto carvalho, acariciado pelo luar. Paramos... Então qual será a tua surpresa prometida, exclamou o meu amigo ainda na tentativa de acalmar a sua dispneia. Primeiro tenta acalmar a tua respiração, disse-lhe e depois ouve e observa ao teu redor, não faças barulho e não te mexas sequer. O meu amigo pareceu obedecer ao meu conselho e ficou quieto. Assim, num silêncio mortal, passavam os minutos, ou talvez os segundos ou as horas, já não sei... O tempo parecia mágico! ... Até que em fim, um grito de coruja interrompeu a nossa calma. Ficamos atentos, como ansiosos espectadores num teatro à espera do espectáculo começar. A coruja gritou mais uma vez... A seguir, ouvimos mais uma, do outro lado do bosque. Depois outra e mais outra. O seu misterioso canto vinha de todo lado, de muito perto e das profundezas do bosque. E bastou um grilo começar a cantar, quando milhões dos seus congéneres já se empenhavam para o ajudar, fazendo o ar vibrar, com o seu coro. Os morcegos, aos milhares, dançavam em torno da lua, envolvidos pelo bliss da melodia natural. De vez em quando, o ouvido captava o zumbido dos besouros nocturnos, que viajavam sabe-se lá para onde. O inebriante cheiro da diversidade das ervas e flores provocava, permanecer no mesmo lugar até de manhã, sem se lembrar de nada. Um coelhinho salteou junto de nós e desapareceu pelo meio das ervas altas. O azul das estrelas parecia tocar nos nossos ombros. As estrelas, hoje, pareciam tão grandes como uma vez na minha infância... Eu virei a minha orelha em direcção ao solo para ouvir – a terra respirava! ...

            De longe, onde acabava o bosque, ouviu-se um barulho dos cães a ladrar. Se calhar, sentiram a minha presença... Eu chamei, pelo meu amigo que estava a olhar para o céu fixamente, hipnotizado pela melodia natural e divina. Vamos! Ainda temos muito que caminhar e muitas surpresas para ver! …..
               

***

Tu pensas que os meus versos são alegoria sem a verdade?
Pois, digo-te que não!
Os meus pensamentos são perversos,
E tudo que escrevo é pura realidade...