Todos os direitos reservados.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Aos Seus Pensamentos Dedico... Conto 2010


Aos seus pensamentos dedico...

Personagens:
1.      Irmã Vénus - Ferreira. 23 anos.
2.      Viviano - Polícia P.S.P. 42 anos
3.      Bahia - Trolha. 36 anos.
4.      Agda - Estudante. 20 anos.
5.      Adónis - Estudante. 17 anos.
6.      Marta - Velhota. 65 anos.
7.      Ágata - Criança. 12 anos.
8.      Espírito Santo
9.      Lúcifer

         Este conto teve lugar em Fátima nos finais de Agosto.
         Poucas horas restavam para acabar o dia, mas o sol ainda deslumbrava a brancura do majestoso monumento de Fé humana. Não era um dia de grande agitação, apenas o vento frio voava de um lado para outro embaraçando escassas pessoas que circulavam pela praça. A noite já esperava, ansiosamente, atrás do horizonte para tudo possuir com suas mãos.
         Os sinos da igreja bateram sete vezes. Acabara a missa espanhola na “capelinha”. As pessoas saíam pouco a pouco, trazendo uma expressão humilde nos seus rostos. A irmã Vénus, insatisfeita, pois apenas pôde assistir a metade da missa na sua língua nativa, por causa da chegada tardia do seu autocarro, apressou-se a subir as escadas da igreja de Fátima, onde ia começar outra missa em português.
         Irmã Vénus era uma mulher nova, de estatura alta e delicada. Uns cachos do seu cabelo loiro, soltos pelo vento, descaíam pelo belo rosto dela, acariciando a sua pele pálida. Os olhos verde-escuro paravam pensamentos de qualquer um que deparava com  o meigo olhar dela. As roupas brancas, que a cobriam da cabeça aos pés, eram totalmente incapazes de esconder a perfeição do seu corpo. A pura linha da beleza espanhola revelava-se em cada movimento dela.
         Embora já tivesse chegado muita gente à igreja, a missa ainda não tinha começado. O Espírito Santo flutuava no ar, por baixo do teto, observando tudo o que se passava.
         Finalmente chegaram três padres. Preguiçosamente, pousaram as suas cadeiras em frente ao altar e começaram a preparar as suas coisas para seguir o devido... A  mulher do coro, que tinha chegado antes dos padres, esperava pacientemente para poder começar a cantar.
Quando tudo estava preparado, um dos padres deu uma entrada de palavras e definiu o tema da missa. Depois, todos se sentaram e a mulher começou a cantar.
         Um grandioso acapelo de um soprano, estremeceu o imponente silêncio da igreja. Todos ouviam. Entretanto na porta direita da igreja apareceu uma sombra estranha. Entrou, e depressa gatinhou até ao outro lado da igreja. Encostou-se à pia com a água benta usando a mesma como um suporte. Era o Lúcifer...

O Espírito Santo, surpreendido por tal audácia, desceu para a beira dele.
Espírito
-      Tu que raio fazes aqui? Seu sacana!
Lúcifer
-      Pois já faz anos que não vou à missa, meu irmão...

Espírito
-      Não sejas tão jocoso, diz lá para que é que chegaste!
Lúcifer
-      Tu sabes bem para quê. Faz séculos que ando eu atrás do mesmo. Eu quero almas!
Espírito
-      Aqui não há nenhuma para ti!
Lúcifer
-      Humm... A mim cheirou-me outra coisa... Ficamos a ler, os dois, os pensamentos dos humanos. Se me provares o contrário não levarei nenhuma...
Espírito
-      Está bem, assim será. Também estou curioso, eu...
         A mulher acabou de cantar. Os padres levantaram-se, a seguir a eles levantou-se o público também. Começaram a rezar o Pai Nosso. Um dos padres falava e as pessoas repetiam atrás dele com obediência.
         O Espírito e Lúcifer aproximaram-se da Irmã Vénus. Ela estava ajoelhada no meio dos bancos com as mãos juntas frente ao peito, fixando o seu olhar no crucifixo de Jesus que se situava atrás do altar.
         Irmã Vénus pensando.
Este jovem ao meu lado tem um cheiro mesmo agradável e é tão lindo.. Não aguento mais olhar para essa cruz!
Quero apreciar-te meu anjo. Era tão bom se não estivesse cá ninguém, assim podias confessar-me...
Vou inclinar-me um pouco para traz para vê-lo de lado. Todos pensam que estou a rezar, ninguém repara em nada...
         Vénus inclina-se para traz e põe os olhos o mais de lado possível para observar a figura de Adónis.
         Adónis, apesar do seu metro e oitenta e sete de altura, tinha um corpo muito bem composto. Os seus ombros largos diziam que praticava algum desporto... Levava umas calças justas de cor cinzenta, as quais sublinhavam com alta delicadeza cada pormenor onde estivesse o tecido a tocar no seu corpo. Os chinelos nos seus pés também descreviam um certo estilo de espírito leve desse jovem. Por cima levava uma camisola branca, caprichosamente desenhada de várias linhas e figuras abstratas e com um decote largo mostrava o relevo do musculoso peito de Adónis, o que perturbava imenso a mente da Irmã Vénus.
         Irmã Vénus pensando.
Meu Deus que lindo homem, não aguento mais!...
Que raiva! Não percebo a mim própria! Que diabo me puxou para ser a serva de Deus? Podia estar na praia com esse espécie de macho. Chega, para mim acabou! Esta será a minha última missa!                  
         O Lúcifer e o Espírito trocam os olhares um com outro.
Lúcifer
-      E então, amigo?

Espírito
-      O que é que tu queres, pá? Já imaginaste, a ti próprio com este castigo?
         Após outra troca de olhares riram-se os dois às gargalhadas.

         Adónis pensando.
         Que raios! Nunca mais acaba essa missa, faltam quarenta e cinco minutos até ao jantar, parece uma eternidade. Ainda bem que lanchamos às seis horas, senão acho que não aguentava até ao jantar. Por acaso aquelas moelinhas com picante e pão de trigo foram bem aceites pela minha barriga. Para além dos três pratos que comi, bem comia outros três, era mesmo saboroso!
Mas não faz mal. Deus queira aguento até ao jantar. Aí é que vou gozar a vida ao máximo. O pai paga, que se lixe. Vou pedir um bife com cogumelos e muita batata frita. E se calhar uma garrafa de vinho maduro para nós dois não fará mal nenhum. Depois vai ser uma sopinha cheia, acompanhada por bastante pão de milho. Para encher o papo, uma salada de fruta e um café no fim. Espera, lá em casa ficou um gelado na arca. Quando chegar terei de o condenar à morte também.
Fogo! Essa vontade de comer está mesmo a apertar! Uma coca-cola saberia mesmo bem agora... Para refrescar pelo menos. Que missa tão longa e triste...
Mas uma coisa agrada-me: no fim da missa vou receber a hóstia … não é muito, mas é sempre um aperitivo antes de jantar.
         O Lúcifer manda um risinho para o Espírito, franzindo os seus olhos vermelhos.
Espírito
-      Infelizmente isso existe...

Lúcifer
-      Esse não levo! Fica tu com ele. Que rapaz nojento. Ainda come o inferno...
         Os padres acabaram de rezar o Pai Nosso e a mulher corista tornou a cantar. Todos  se sentaram.

Lúcifer
-      Olha, vamos ver aquele bigode. Está com uma cara que até a mim mete impressão.
Espírito
-      A cara pode não ser o critério determinante, colega, mas se tu insistes...
         O Viviano era um polícia de trânsito. Nem alto nem baixo, nem magro nem gordo, nada atraía a atenção no visual dele. O único pormenor mais notável era o seu bigode e os seus olhos pretos que brilhavam com a ira debaixo das suas sobrancelhas, demonstrando o seu interior corrompido.
         Viviano pensando.
O cabrão desse padre manda sentar, manda levantar! A ver se tu escorregas e partes uma perna, seu porco! Assim ficávamos todos sentados...
         Uma velhota que estava sentada ao lado de Viviano, sem querer, atingiu-o com seu cotovelo.
Velhota
-      Peço desculpa, meu filho, foi mesmo sem querer.
Viviano
-      Não tem mal, minha senhora, esteja tranquila.
         Viviano pensando.
Nem sabe estar quieta no sítio, sua vaca fedorenta. Nunca mais te chega o enfarte cardíaco!
Ora bem, vamos ver quem é que chegou cá hoje...
Olha ali aquele herói, que tanto apreciava com os seus desenvergonhados olhos a minha mulher, quando estávamos na fila do supermercado. Espera aí otário, quando acabar a missa, vou atrás de ti para saber já a matrícula do teu carro. Vais pagar multas todos os dias. Isso arranjo-te com facilidade, vais ver, seu animal! A minha posição oficial permite tanta coisa... Essa gentinha mal corajosa quando vê um homem fardado, até treme. Amanhã vou para a estrada e vou lixar a vida para mais uns quantos, hehehe.... Gostar do trabalho que fazes, o que pode ser melhor? hehehe
Espírito
-      Esse parece-se muito contigo, colega...
Lúcifer
-      Não digas isso, eu não sou assim!

         A velhota que estava sentada ao lado de Viviano chamava-se Marta. Era baixinha e gorducha. Tinha a cara redonda e vermelha, fazia lembrar um tomate. Entre os olhos grandes, que pareciam cerejas pretas, situava-se uma batata grande, que, se calhar, deveria representar o nariz. Mas não prestando atenção a alguns pormenores - desse jardim ambulante até estava bem arranjadinha. A sua cabeça cobria-se com um lenço de seda verde, desenhado com flores de girassol. Suas unhas ainda cheiravam a laca, a qual foi posta num dos mais caros salões de beleza de Fátima. O seu corpo, que parecia uma carcaça de frango, era agraciado com um vestido de verão de cor verde. No peito levava um pesado broche de prata, decorado com diversas pedras preciosas. No pescoço trazia uma grossa cadeia de ouro com um cólon que levara a fotografia do seu marido, que tinha falecido sobre circunstâncias desconhecidas. A quantidade dos anéis de ouro, se não levasse vários num dedo, era suficiente para ter um em cada dedo nas duas mãos. O fim dessa exposição toda eram as sapatilhas de tacão alto.
         Marta pensando
Oh Santíssima Virgem Maria! A doença da minha irmã mais velha está a progredir muito depressa e assim nesse estado, duvido que lhe restem muitos dias nesta terra. Ajuda-a, por favor, ajuda a que ela escolha dar de herança a sua quinta para mim e não para esses dois gastadores, seus filhos. Não sabem gerir nada. Eu, como já tenho boa experiência da vida, noto logo essa falha. Comigo fica bem guardado e, quem sabe, se um dia o meu filho merecer, farei dele meu herdeiro.
Ainda bem que consegui sentar-me longe da passagem. O chato do padre vai andar a pedir esmolas, como sempre. E eu de moedas só tenho um euro... Nem sonhes que mo vais levar, vou aproveitar para o café, e assim poupo a notinha.
Eh pá... quase me esqueço que estamos chegando ao fim do mês. A estúpida da empregada da casa vai querer cobrar. Tenho urgentemente que inventar algo para lhe cortar no ordenado, é que essa ingénua, ultimamente, não fez asneiras. Não sei o que vou fazer... Pagar o ordenado inteiro esse mês seria demais, ao menos cortava vinte euros para os cafés com as amigas. Já sei! Ao tempo que está um vaso partido no quintal. Vou dizer que foi ela. Genial!

Lúcifer
-      Eu admiro a paciência da Santa Maria...
Espírito
-      Pois, eu também...
         Riram-se os dois durante muito tempo.
         Quando a mulher acabou de cantar, os padres levantaram-se mais uma vez para dar às pessoas uma oração. Por mais que não apetecesse, o público levantou-se também.
Quando acabou a oração os bancos rangeram do peso que foi carregado em cima deles de uma vez só... Um dos padres, começou, monotonamente, a explicar para que servem os capítulos da Bíblia.                           
         O Espírito e Lúcifer passeavam a passo lento pela sala, envolvidos numa conversa qualquer que lhes dava imenso gosto, gesticulavam com as mãos, riam-se e falavam alto...
Lúcifer
-      Espera aí,  pá! Olha-me esse anjinho. Vamos prestar um tempinho a essa bela flor.
Espírito
-      Chama-se Ágata, não achas um lindo nome? Vai à missa com os seus avós todos os fins de semana...

         Ágata era uma miúda muito mexida, cheia de ideais próprias. O seu cabelo loiro chegava-lhe à cintura. As bochechas estavam sempre coradas. Grandes olhos azuis, que pestanejavam casualmente, formavam um olhar humilde, o que dificultava imenso recusar qualquer desejo dela. Isso notava-se muito nas roupas da  Ágata. Os pais tiravam o último da carteira para favorecer a sua joia. Desde as sandálias até à mochilinha, tudo correspondia ao último grito da moda infantil.                     
Avó da Ágata
-      Olha minha fada, a vovó hoje está muito cansada, deve ser por causa da sua tensão alta. Mas amanhã temos gente em casa e preciso muito da tua ajuda para arrumar a sala.
Ágata
-      Não,  avô, hoje não! Eu também estou cansadíssima, quero ir para casa. Já passei muito contigo hoje.
Avô
-      Va lá, minha fada, ajuda a vovó está doentinha...
 Ágata
-      Não! Nem insistas porque não vou! Pede antes ao avô que te ajude. Ele não tem nada para fazer.
Avô
-      Tu sabes bem que o avô tem dores nas pernas e não pode ajudar.
Ágata
-      Eu quero lá saber das dores dele, eu também tenho as minhas!

-      Está bem, disse a avó pacientemente e suspirou.
         Ágata pensando.
Fogo, esses velhos estão sempre a queixar-se de algo! A avó está maluca. Arrumar a casa num Domingo, fogo! Tem três vezes o meu tamanho e quer que eu faça tudo por ela. E o velho sempre a fugir por causa da dor das suas pernas. “Traz-me isso, traz aquilo, eu não aguento”. Quando quer ir à pesca não se queixa das dores.
Tenho tanto para fazer hoje, e devo aturar esses utentes. Às nove tenho de estar na casa da minha amiga Sara para  decidirmos o que vamos vestir para a festa de.....
Lúcifer
-      Olha sabes o que eu vou fazer agora?
Espírito
-      O quê?
Lúcifer
-      Vou aparecer na frente dela com toda a minha personalidade! E vou-lhe dizer alguma coisa!
Espírito
-      Calma, calma pá, não sabes as regras? E não te esqueças que ela ainda é uma criança, a cabeça dela tem pouco raciocínio.
Lúcifer
-      Pois... Desculpa, a razão é tua... É que eu a partir de um momento fiquei assim tão...
Espírito
-      Eu compreendo-te... Anda, deixa-a estar, vamos andando.
         Três bancos à frente estava sentado o Bahia. Era barrigudo e baixinho. O cabelo arrumado para tràs com gel, barba bem barbeada, camisola branca metida dentro das calças de ganga pretas, sapatos pretos laqueados e um boné de jeans na mão. Qual era a razão de trazer um boné, se já tinha arrumado a cabeleira com gel, apenas Deus sabia...
         Bahia pensando.
Porra, o dia está a acabar, amanhã tenho de trabalhar outra vez. Dois dias de fim de semana não chegam para nada. Vou inventar que me dói um dente. Vou à urgência, tiro o recibo, como costume, e o patrão terá de pagar o dia... Já que estou efetivo na firma  não posso trabalhar muito, que trabalhem os outros burrinhos por mim. Amanhã vou dormir bem mais uma vez e depois vou passar o tempo a tomar umas cervejolas no café do Lemos. Por acaso já ao tempo que preciso de tirar uma baixa médica para descansar em condições. Em Setembro tenho quinze dias para gozar as minhas férias. Aproveitarei para tirar a baixa no fim das  férias, assim descanso como deve ser. A minha irmã, que é médica, não me vai recusar esse favor...
Lúcifer
-      Parar muito tempo perto desse é perder tempo. Como me parece ele já fez planos a sua vida...
Espírito
-      Faz favor de passar para a frente colega. O que lhe parece analisarmos essa jovem universitária, o futuro do seu país. Estuda politica.

Lúcifer
-      Estou a ficar intrigado. Com todo o gosto prestarei um bocado do meu tempo a ela.
Ágda possuía uma estatura média, tanto como um metro e sessenta e cinco, não mais. As formas do seu corpo, apesar de serem cheinhas, atraíam o olho. A cintura larga suavemente trespassava para suas costas retas e finas que desabrochavam com os ombros ternos. Lembrava uma flor prestes a florescer. O seu cabelo longo estava arrumado num feixe o qual levava por cima uma rosa vermelha para decorar. A cor da rosa combinava imenso com as roupas claras que vestia, trazendo vida ao seu visual.
         Ágda pensando
Olha, aquela da minha turma também vem à missa essa desgraçada. Mas não te faz falta nenhuma vir. Sempre tens tudo o que tu queres na tua vida. Tem o namorado cheio de dinheiro e bonitão. O papá já lhe comprou um bom carro. Nos estudos tem a sorte de obter  boas notas com facilidade. Não presta para nada mas tem sucesso em tudo! As pessoas como eu, que realmente merecem, são obrigadas a comer as migalhas, enquanto ela come o bolo todo! Não percebo o que o teu namorado encontrou em ti, és feia como uma burra. Ele há de ser meu. Eu já tenho um plano astuto de como obter a predisposição dele. Não pode ser tudo teu amiga, os outros também querem.
Lúcifer
-      Humm...

Espírito
-      Pois... Já não digo nada...
         Os padres já estavam prestes a acabar. Um deles desceu do altar e tomou a posição entre as fileiras dos bancos para dar o Corpo de Deus. As pessoas, pouco a pouco, formaram uma fila para receber a bendita refeição. No ar reinava o estado de paz e sossego.
Lúcifer
-      Bom, eu acho que já vi até dizer chega... Vamos sair daqui, sinto-me sufocado no meio dessa gente toda. Vamos apreciar um bocado o pôr do sol.
Espírito
-      Não queres receber uma hóstia antes de sair?

Lúcifer
-      Poupa-me, brincalhão!
         Saem os dois da igreja e sentam-se no alto das escadas frente à mesma. O Lúcifer fixa o seu olhar nas vermelhas chamas do sol a morrer no crepúsculo.
Lúcifer
-      Há milhares de anos que aprecio o mesmo e não consigo fartar-me. É tão mágico, não achas?
Espírito
-      É, é lindo, sem dúvida... Mas olha, tu hoje não vieste cá para apreciar as belezas. E sei bem que a razão agora é tua. Eu cumpro o que prometi, leva quem tu quiseres.
Lúcifer
-      Não meu irmão, tu preocupas-te em vão, não vou levar ninguém. Estou farto disto tudo. Sabes quantos assim eu tenho lá em baixo? Não dás conta! Porque as pessoas deitam as suas culpas a mim? Roubou?  É o Diabo! Matou? É o Diabo!  Que culpa eu tenho de eles terem a sua alma suja?! Que tenho eu a ver com isso? O Todo Poderoso deu-lhes a mente suficiente para alcançar o que é bom e mal. São eles próprios a escolher o seu caminho.                        
Espírito
-      Eu também sinto nojo... E tenho uma pena grande de que a vida humana seja tão curta. Muitos morrem sem chegar a perceber os erros que fizeram, morrem a pensar que a razão é deles. E aqueles que encontraram o caminho da verdade, morrem, sem chegar à perfeição. É que depois não há caminhos para trás. Isso é muito triste.
Lúcifer
-      Nunca pensei assim como tu pensas. Mas terei em conta, porquê a razão é tua! Agora tenho de ir. De qualquer forma foi um prazer. Até um dia.
Espírito
-      Fica bem! Até um dia.

         O Lúcifer transformou-se numa nuvem preta como o carvão e infiltrou-se numa lacuna no meio das escadas. O Espírito olhou mais uma vez para o sol que se afundava no horizonte, quem sabe em que estava a pensar ele naquele momento? Desapareceu no ar, e com uma rajada de vento quente tocou a praça, depois subiu ate às nuvens e dissipou-se em todas as direções.
De repente tudo ficou quieto, parecia que o tempo parou. O sol desistiu da sua luta e a praça mergulhou na escuridão. Apenas as velas à beira da “capelinha” choravam com a cera, afastando as sombras que as rodeavam de todos os lados... A noite exultava sobre a sua grandeza...


domingo, 21 de novembro de 2010

Para el Lector Poema 2010

К Читателю

Тезаурус мой жалок, а разумение уж подавно,
Но холст бумаги мне сослужит славно,
В простых словах достигну мысли эмпирей,
Чем проще смысл, тем сердцу твоему слышней.

Чтецам дано читать все разумея,
А я лишь раб пера что над бумагой преет.
Тебе читатель изложу я душу,
А ты уж сам не обессудь коль и твоей души покой нарушу.


Tradução para espanhol: 


Para el lector

Mi tesaurus es miserable, y la sabedoria mucho más,
Pero sin embargo, un pedazo del papel me servirá muy bien,
Con palabras simples, iré lograr el empíreo del pensamiento,
Cuanto más simple será el sentido, con mas facilidad tu corazón escuchará.

Al lector culto he delegado leer y comprender lo que lee,
Yo soy sólo un esclavo de la pluma, sudando sobre el papel.
A ti lector explicaré mi alma, y perdóname si con esto también
perturbaré la calma de la alma tuya.

                                                                                                                     Stanislav Nosov 

domingo, 29 de agosto de 2010

Ano 2010. Quadra.

              ******

Китайское сакэ
И португальское вино,
Испанский темперамент,
А льется все оно в одно...


 Tradução para Espanhol

              ******

Saqué chines,
El vino portugués,
Temperamento español,
Pero se derrama todo en uno ...


Stanislav Nosov 

G. Ano 2010. Poema

              *****
                                               В глазах страсть твоих -
Жар в груди моей.
Мной поиграешься
не прикаешься.

Душа чистая,
Все простительнo,
Но игра твоя утомительна.

Брови черные,
Руки нежные,
Тело сладкое,
А сердце снежное...

Tradução para espalhol

              *****

La pasión en tus ojos,
El calor en mi pecho.
Jugaras conmigo y
no te arrepentirás de eso...

Tu alma es pura,
Todo puedo perdonarte,
Pero tu juego es agotador.

Las cejas negras,
Los manos tiernos,
El cuerpo tan dulce,
Y un corazón de nieve ...


Stanislav Nosov 

J. Ano 2009. Poema.

                                                                       *****

Глаза в глаза, на прямоту,
Все разъяснить не в невмоготу,
Делов то вроде так – пустяк
Возьми скажи, коль что не так.

Но нет, молчишь,
Все под веселой маской прячешь чувства,
Улыбкой мучишь губы,
Но в очах твоих грустно.

Хотя, ну чем уж лучше я?
Боюсь сказать, боясь что ляпну зря.

И так, как две планеты мы с тобой,
Мы вроде рядом но каждому дан путь иной,
Тебе меж звезд... А мне сквозь пыль вселенной,
Среди никчемных личных грез,
Взывая к прямоте – моею пленной

Глаза в глаза на прямоту -
Смешно и грустно,
Ведь символ твой Анархия,
А мой Безумство...


Tradução para espanhol

                      *****

Ojos a los ojos, con la franqueza,
Es insoportable explicarlo todo...
Del cierto modo – nada, pequeñeces...
Simplemente dime lo que te perturba.

Pero no, mantienes el silencio.
De bajo de la mascara alegre ocultas sentimientos todos
Torturando los labios con el sonriso,
Pero tus ojos revelan la tristeza.

Pensando bien, que represento yo de lo mejor?
Mi miedo de decir, por miedo de chalar en vano.

Y así, igual a dos planetas, hemos nosotros.
Parece estamos cerca, pero cada uno tiene su destino,
Lo tuyo - entre las estrellas ... Y mio por el polvo del universo,
Entre mis sueños sin valentía,
Llamando a la rectitud - mi cautivo.

Ojos a los ojos, con la franqueza -
Es curioso y triste,
Mientras que tu símbolo - es anarquía
Y mio - es locura ...


Stanislav Nosov 

M. Ano 2008. Poema.

*****
Сколь легче было бы жить без чувств...

Нет сострадания, нет тоски, нет боли,
И злиться силы нет,
И грусть уже не беспокоит боле.

Без завести, без радости,
Без совести и воли,
Как механизм часов в смирение
бить свой час по чьей то воле.

Се чувства я бы мог забыть,
Уснуть в тенях друзей, нырнув на дно стакана,
Но нет же! Есть одно!
Что как вино – коснувшись моих губ,
Мешает в хаос чувства все, как
вихрь урагана.

Что ль белый свет родил тебя
чтоб мучатся мне вечно?
Но душу дьяволу отдам! За наш,
любви ответной вечер.


Tradução para espanhol

                       *****

Qué preciosa sería la vida sin sentimientos ...

No hay compasión, ni tristeza, ni dolor.
No hay fuerza para enojarme,
Y la tristeza no me preocupa mas.

Sin envidia, sin alegría,
Sin conciencia y voluntad,
Como el mecanismo de un reloj
Batir su tiempo por la voluntad de alguien.

Los sentimientos esos yo podría olvidar,
Quedarse dormido en las sombras de los amigos, buceando en el fondo de la taza,
Pero no! Hay uno!
Que como un vino - tocando mis labios,
Mezcla aun caos los sentimientos todos,  
Como el torbellino de un huracán.

Sera luz blanca te he engendrado
Para que yo me sufre siempre?
Yo doy mi alma al diablo!  
Por una noche del amor reciproco...

                                                                                           Stanislav Nosov 

sábado, 28 de agosto de 2010

O Tempo da Chuva

O Tempo da Chuva

Ainda estava na cama mergulhado nos cobertores quentes sob um sono profundo, quando um penetrante som de despertador perturbou a minha mente. Um mundo de calma afastou-se em vão, devolvendo-me, negligentemente, a realidade sombria e inquietante. Preguiçosamente virei-me para um lado e abri os olhos, fixando o meu olhar na pantalha do despertador que não parava de me irritar, estendi o braço para o desligar... Eram nove da manhã, uma Sexta Feira e um grande dia de trabalho pela frente.
Virei-me de costas e puxei a manta até o pescoço. Sair debaixo dela era mesmo um sacrifício, a minha cabeça estava pesada - sentia pressão nos olhos e os músculos cansados. Em parte, a causa disto era um romance fresco que eu começara a ler à uma da manhã e continuara a ler, esfomeado, até à última página.
Lancei um olhar para a janela... Estava aberta, apenas fechada com a persiana para que o sol não me acordasse antes do habitual. Gostava de dormir com o ar fresco a entrar no quarto. Todas as manhãs ao acordar observava a janela, desfrutando dos brincalhões raios de sol que entravam pelas aberturas da persiana, tocando meigamente o tecto e a porta da saída do meu quarto.
Mas esta manhã o quarto estava escuro - a janela já não trazia alegria aos meus olhos como era o costume, pelo contrário, ameaçava com uma corrente de ar frio e persistente que serpenteava pela minha cama e escapava para baixo da porta do meu quarto. O mau tempo não demorou a chegar varreu-se-me pela mente...
Estava a ficar atrasado, levantei me apressado, fiz em vão tudo o que pertencia à higiene própria, vesti as roupas e corri para a cozinha, sapateando com as minhas botas preferidas, que preenchiam com o seu eco um enorme T-3 silencioso. Acabei com essa agitação toda, por uns momentos tomando leite achocolatado, à beira da janela da cozinha – observando tudo o que se passava lá fora. Chovia lentamente. A cidade que já por horas andava no seu ritmo intenso, esperava por mim, esperava que eu também entrasse nesse grande formigueiro e completasse o devido contributo do dia.

Saí de casa. Já não chovia, apenas as nuvens em pedaços rasgados passeavam pelo céu cinzento, uma atrás da outra. Às vezes, largavam umas lágrimas para os meus ombros, mas não traziam o estado de tristeza - eram quentes, excitavam os pensamentos.
Dirigia-me a pé de São Vicente para o centro da cidade. Era uma caminhada bastante longa, mas habitual... O asfalto estava preto e bem lavado pela chuva recente. Ainda cheirava a pó e a humidade, dando gosto caminhar sobre ele. O vento quente e suave acariciava a minha cara, gozava com os meus cabelos, o que me dava imenso prazer.

Para diminuir a distância traí o passeio de asfalto pela grama verde e abundante no meio dos
prédios. Não me importava de molhar os pés um pouco, uma vez que estava muito atrasado. Feito um gato, de passos silenciosos, trespassava o relvado. A erva lambia os meus sapatos que brilhavam da humidade. Isto trouxe-me uma recordação da minha infância, quando eu e os meus amigalhaços saltávamos pelos poços de água, depois duma trovoada – sem dar conta dos pés molhados e de passar o tempo. Este sentimento quente dispôs um humilde sorriso na minha cara, fechei os olhos e respirei fundo, fortemente, preenchendo os pulmões de ar puro, enriquecido de ozónio graças á chuva. Larguei o ar pela boca e abri os olhos lentamente – a boa disposição para todo o dia estava feita!
Descia a Rua dos Chãos como sempre cheia de gente. Stressados, alegres, tristes, toxicodependentes, cada um a correr ao seu destino. Com o zumbido das
suas vozes e dos carros a passar, parecia que embaraçavam os prédios antigos da pedra maciça que observavam as pessoas inquietantes de cima para baixo, sonhando de paz e sossego. Único prazer dessas orgulhosas construções era divertir-se - atirar as grossas gotas de água dos seus telhados, em dia, esverdeados de musgo, para trás do pescoço dos peões que demasiado confiaram na cessação da chuva e fecharam os seus guarda-chuvas. Antes da Arcada virei em direcção a Torre da Naia. Era necessário dar um salto ao banco que se situava uns metros à frente. Passando pela Torre, o meu olhar ficou colado num Carvalho que estava mesmo lá à frente dela. Alto e imponente, ainda há dias atrás sem folhas e encolhido por um inverno de frio penetrante, agora estava rico de folhas de cor verde vivo. Estendia as galhas poderosas cobrindo quase toda a superfície da Torre. Divinamente lindo e crespo, conversava com vento. Agradecia o Maio, o filho mais velho da Mãe Primavera, que lhe dera essa beleza abundante. Por de baixo da árvore, estava uma velhota rodeada de pombos, pedindo o pão, e levantando a cabeça, admirava a lucidez do carvalho. Ambos sentíamos a poderosa respiração vital desse gigantesco ser, verde e molhado que sussurrava para nós algo que não éramos capazes de compreender... 

Entrei para dentro do banco. Logo ao entrar, cruzei-me com a minha vizinha que trabalhava lá. Cumprimentou-me amavelmente como era o costume e sempre de bom agrado. E de pressa apercebi-me que ela estava mesmo de saída e decidi não a abordar com as conversas de vizinhança. Saudei-a com um sorriso e ela dirigiu-se à saída. Eu continuei sapateando pelo banco fora até ao balcão de atendimento onde me esperava a Anabela, uma bela funcionária e boa profissional no atendimento.
Encontrava-a sempre de boa disposição, com o depósito cheio de piadas frescas para me agitar. Tinha um cabelo castanho encaracolado e os olhos manhosos, o que sem dúvida dava-lhe muito charme.
Dessa vez, entre a nossa conversa, suspirou com um ar de tristeza e confessou me que o tempo não lhe agradava muito... Eu fiz uma curta pausa de silêncio, recordei o “carvalho”... Recordei o “vento maroto”... sorri-lhe e depois disse: se calhar não sabe observar a realidade da natureza e eu, infelizmente, não tenho vocabulário suficiente para lhe explicar tudo isto... Mas ela percebeu a que me estava a referir. A tristeza passou-lhe, ficando com um certo fogo nos olhos. Disse-me: Escreve! E depois traduz! Eu leio!

Fiquei pensando...


Stanisvav Nosov