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sábado, 28 de agosto de 2010

O Tempo da Chuva

O Tempo da Chuva

Ainda estava na cama mergulhado nos cobertores quentes sob um sono profundo, quando um penetrante som de despertador perturbou a minha mente. Um mundo de calma afastou-se em vão, devolvendo-me, negligentemente, a realidade sombria e inquietante. Preguiçosamente virei-me para um lado e abri os olhos, fixando o meu olhar na pantalha do despertador que não parava de me irritar, estendi o braço para o desligar... Eram nove da manhã, uma Sexta Feira e um grande dia de trabalho pela frente.
Virei-me de costas e puxei a manta até o pescoço. Sair debaixo dela era mesmo um sacrifício, a minha cabeça estava pesada - sentia pressão nos olhos e os músculos cansados. Em parte, a causa disto era um romance fresco que eu começara a ler à uma da manhã e continuara a ler, esfomeado, até à última página.
Lancei um olhar para a janela... Estava aberta, apenas fechada com a persiana para que o sol não me acordasse antes do habitual. Gostava de dormir com o ar fresco a entrar no quarto. Todas as manhãs ao acordar observava a janela, desfrutando dos brincalhões raios de sol que entravam pelas aberturas da persiana, tocando meigamente o tecto e a porta da saída do meu quarto.
Mas esta manhã o quarto estava escuro - a janela já não trazia alegria aos meus olhos como era o costume, pelo contrário, ameaçava com uma corrente de ar frio e persistente que serpenteava pela minha cama e escapava para baixo da porta do meu quarto. O mau tempo não demorou a chegar varreu-se-me pela mente...
Estava a ficar atrasado, levantei me apressado, fiz em vão tudo o que pertencia à higiene própria, vesti as roupas e corri para a cozinha, sapateando com as minhas botas preferidas, que preenchiam com o seu eco um enorme T-3 silencioso. Acabei com essa agitação toda, por uns momentos tomando leite achocolatado, à beira da janela da cozinha – observando tudo o que se passava lá fora. Chovia lentamente. A cidade que já por horas andava no seu ritmo intenso, esperava por mim, esperava que eu também entrasse nesse grande formigueiro e completasse o devido contributo do dia.

Saí de casa. Já não chovia, apenas as nuvens em pedaços rasgados passeavam pelo céu cinzento, uma atrás da outra. Às vezes, largavam umas lágrimas para os meus ombros, mas não traziam o estado de tristeza - eram quentes, excitavam os pensamentos.
Dirigia-me a pé de São Vicente para o centro da cidade. Era uma caminhada bastante longa, mas habitual... O asfalto estava preto e bem lavado pela chuva recente. Ainda cheirava a pó e a humidade, dando gosto caminhar sobre ele. O vento quente e suave acariciava a minha cara, gozava com os meus cabelos, o que me dava imenso prazer.

Para diminuir a distância traí o passeio de asfalto pela grama verde e abundante no meio dos
prédios. Não me importava de molhar os pés um pouco, uma vez que estava muito atrasado. Feito um gato, de passos silenciosos, trespassava o relvado. A erva lambia os meus sapatos que brilhavam da humidade. Isto trouxe-me uma recordação da minha infância, quando eu e os meus amigalhaços saltávamos pelos poços de água, depois duma trovoada – sem dar conta dos pés molhados e de passar o tempo. Este sentimento quente dispôs um humilde sorriso na minha cara, fechei os olhos e respirei fundo, fortemente, preenchendo os pulmões de ar puro, enriquecido de ozónio graças á chuva. Larguei o ar pela boca e abri os olhos lentamente – a boa disposição para todo o dia estava feita!
Descia a Rua dos Chãos como sempre cheia de gente. Stressados, alegres, tristes, toxicodependentes, cada um a correr ao seu destino. Com o zumbido das
suas vozes e dos carros a passar, parecia que embaraçavam os prédios antigos da pedra maciça que observavam as pessoas inquietantes de cima para baixo, sonhando de paz e sossego. Único prazer dessas orgulhosas construções era divertir-se - atirar as grossas gotas de água dos seus telhados, em dia, esverdeados de musgo, para trás do pescoço dos peões que demasiado confiaram na cessação da chuva e fecharam os seus guarda-chuvas. Antes da Arcada virei em direcção a Torre da Naia. Era necessário dar um salto ao banco que se situava uns metros à frente. Passando pela Torre, o meu olhar ficou colado num Carvalho que estava mesmo lá à frente dela. Alto e imponente, ainda há dias atrás sem folhas e encolhido por um inverno de frio penetrante, agora estava rico de folhas de cor verde vivo. Estendia as galhas poderosas cobrindo quase toda a superfície da Torre. Divinamente lindo e crespo, conversava com vento. Agradecia o Maio, o filho mais velho da Mãe Primavera, que lhe dera essa beleza abundante. Por de baixo da árvore, estava uma velhota rodeada de pombos, pedindo o pão, e levantando a cabeça, admirava a lucidez do carvalho. Ambos sentíamos a poderosa respiração vital desse gigantesco ser, verde e molhado que sussurrava para nós algo que não éramos capazes de compreender... 

Entrei para dentro do banco. Logo ao entrar, cruzei-me com a minha vizinha que trabalhava lá. Cumprimentou-me amavelmente como era o costume e sempre de bom agrado. E de pressa apercebi-me que ela estava mesmo de saída e decidi não a abordar com as conversas de vizinhança. Saudei-a com um sorriso e ela dirigiu-se à saída. Eu continuei sapateando pelo banco fora até ao balcão de atendimento onde me esperava a Anabela, uma bela funcionária e boa profissional no atendimento.
Encontrava-a sempre de boa disposição, com o depósito cheio de piadas frescas para me agitar. Tinha um cabelo castanho encaracolado e os olhos manhosos, o que sem dúvida dava-lhe muito charme.
Dessa vez, entre a nossa conversa, suspirou com um ar de tristeza e confessou me que o tempo não lhe agradava muito... Eu fiz uma curta pausa de silêncio, recordei o “carvalho”... Recordei o “vento maroto”... sorri-lhe e depois disse: se calhar não sabe observar a realidade da natureza e eu, infelizmente, não tenho vocabulário suficiente para lhe explicar tudo isto... Mas ela percebeu a que me estava a referir. A tristeza passou-lhe, ficando com um certo fogo nos olhos. Disse-me: Escreve! E depois traduz! Eu leio!

Fiquei pensando...


Stanisvav Nosov

1 comentário:

  1. Ainda hoje vinha a pensar nisto. As nuvens, o frio, as gotas a cair pelo pescoço abaixo faz tudo parte da vida e temos de saber apreciar todos os momentos, era muito chato se estivesse sempre sol ou sempre chuva, tudo é preciso.
    Tens uma escrita bonita. Escreve mais, traduz mais, que a gente lê mais :)

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